O que é necessário para uma criança ou um jovem ser bem-sucedido na vida adulta? Estudar muito e enquadrar-se numa vida acadêmica infindável de rotinas restritivas? Lembramos do exemplo de Dom Pedro II que estudava diariamente das sete da manhã até às dez da noite para se tornar o grande homem que foi. Mas também é interessante lembrarmos que ele possuía uma grande estrutura financeira, familiar e um conjunto dos mais brilhantes professores ao seu dispor.
É claro que é importante orientarmos desde cedo os nossos para que tenham despertados desejos profissionais e aspirações que os levarão ao sucesso. Afinal, muita gente desperdiça tempo com futilidades e bobagens quando poderiam estar aprendendo coisas úteis. Está aí a internet cheia de “tomadores de tempo inúteis” como TikTok e vídeos aleatórios. É de fato um dever da paternidade e da maternidade orientar os seus para que aproveitem o tempo melhor pensando em um futuro brilhante. Mas existe também a necessidade do guardar o equilíbrio emocional do ser humano e ter um espaço para o exercício da criatividade, da auto responsabilidade e da multiplicidade de experiências.
Essas situações sempre foram vivenciadas nos processos de educação formal, não formal, familiar, religioso e finalmente na construção de um ser humano. Mas, qual seria o melhor modelo a seguir? Quais são as experiências importantes para a construção de um futuro de sucesso? São perguntas que permanecem no coração dos pais e responsáveis. Será que lá na frente um jovem que se dedicou tanto a uma rotina pesada não sentirá falta de algumas experiências sociais e humanísticas que o complete? Ou até mesmo um sentimento de frustração por não ter vivido algumas experiências e aventuras que gostaria de viver se tivesse tido mais tempo disponível?
De fato, algumas experiências que não estão na grade curricular, ou em cursos de extensão, ou em rotinas pesadas, também farão diferença para a vida adulta e cada vez mais observamos jovens adultos com alta capacitação acadêmica mas sem experiências de vida, de processos sociais, sem a capacidade de ter compromissos com pequenas iniciativas que cercam as nossas vidas a todo tempo. Certamente lhe farão uma grande diferença na vida adulta ter capacidades múltiplas e saber lidar socialmente com o mundo que os cerca até mesmo para que não fiquem reféns dos que possuem tais habilidades.
Podemos citar aprendizados como coordenar e viver em grupo, ter criatividade para resolver problemas, resiliência para vencer dificuldades, saber gerenciar pequenos projetos, saber vencer dificuldades de relacionamentos, superar mágoas e frustrações, gerenciar conflitos humanos e saber organizar-se para cumprir múltiplas tarefas com responsabilidade além do sentimento de pertencimento com grupos que participe.
Muitos grupos sociais podem oferecer essas experiências para as crianças e jovens como grupos de Igrejas, times esportivos, bandas musicais, clubes em geral e aí entramos também com a prática do escotismo e do bandeirantismo. Soma-se a isso os “hobbies” que são pequenas habilidades mas que traçam percepções, apuram aptidões e também desenvolvem os sentimentos de capacidades na garotada. O escotismo consegue contemplar tudo isso nas suas múltiplas atividades que não se restringem apenas a um acampamento a cada três meses mas que se trata de uma rotina semanal, semestral, anual etc e que caminha apoiando aquela criança continuamente.
Temos visto crianças e adolescentes altamente capazes, muito estudiosos ou excepcionais esportistas que não conseguem desenvolver algumas capacidades como cumprir a palavra, como perceber que devem ter parâmetros adequados para suas decisões respeitando os outros seres humanos ao mesmo tempo que precisam traçar alguns planejamentos e cumprir tarefas além de resguardar tempo para seus preceitos religiosos e familiares. O ser humano é realmente múltiplo e precisa exercitar também as experiências sociais durante a infância e a adolescência além de se preparar para ser alguém de sucesso. Ou então, lá na frente ao invés de serem capazes terão que pagar um “coaching” ou frequentar grupos de “auto ajuda” além de outros problemas que podem surgir oriundos de um certo “vazio”, ou de uma lacuna.
O escotismo em sua rotina ensina compromisso consigo mesmo, com os demais, com a pátria e as comunidades que lhes cercam e a sociedade como um todo. Ensina a perceber um método cartesiano de autoprogressão pessoal e a projetar suas responsabilidades no planejamento. O escotismo também ensina parâmetros de civismo, de amor pela terra e cuidados com as pessoas, plantas e demais animais. Ensina respeito aos mais velhos e às religiões. E o método do “aprender fazendo” que utilizamos há mais de cem anos, ajuda a desenvolver verdadeiramente as capacidades e conhecimentos em uma vida em equipe.
Um bom chefe escoteiro assistirá um adolescente aprender e consolidar dia após dia conhecimentos de montar barraca, fazer uma refeição à lenha, arrumar uma mochila para viagem, saber lidar com os membros de sua patrulha, a cuidar do material coletivo e ser responsável pelo que faz tanto na vida ao ar livre quanto em tarefas domésticas e necessidades na cidade que os escoteiros participam costumeiramente como por exemplo a praticar primeiros socorros e ajudas humanitárias. E essa consolidação do aprendizado, do conhecimento melhora as posturas em sociedade e precisam de tempo e rotina para serem experimentadas e assimiladas.
São muitas as vezes que escutamos pessoas que tiveram o mais alto sucesso profissional relatar que “ter vivenciado nos acampamentos e atividades escoteiras brigas, superações aventuras e aprendizados dos mais diversos, que consolidou técnicas, capacidades e posturas pouco usuais na área acadêmica, mas que ajudam muito na condução da vida profissional e da vida adulta”. E esses relatos são muitos, muitíssimos, inúmeros.
Portanto os pais e responsáveis devem observar que o escotismo não se trata de uma recreação, de um ambiente legal ou de um espaço de aprendizado de técnicas radicais ou aquela percepção de “vou escolher algumas atividades interessantes e faltamos aquelas reuniões semanais”. O escotismo é sim um ambiente criativo que induz à responsabilidade e a consolidação de conhecimentos e experiências que lhes serão muito caras para a vida adulta e que, não se aprendem em um livro ou na sala de aula. É necessário a rotina e o empenho da responsabilidade para que a chefia possa conduzir adequadamente seus esforços e o planejamento que os prepara para as grandes atividades e a assimilação de conceitos e experiências.
E fica aqui uma dica aos responsáveis: ensine seu filho a ter responsabilidade com um compromisso, a ser pontual, a se vestir adequadamente e a saber participar de um grupo ou equipe com postura positiva sabendo lidar com hierarquia e valores, a não desistir quando algo não lhe agrada ou parece desanimador, e a não descartar os líderes e chefes sempre que for desagradado. Precisamos formar cidadãos que sejam seres humanos completos capazes de lidar com a vida, com dificuldades, e consequentemente assumir responsabilidades tornando-se adultos da melhor espécie. E a rotina escoteira ensinará isso àqueles que participam no longo prazo superando uma visão superficial da recreação divertida.
Cada vez mais, no mundo de hoje, o escotismo se mostra uma boa oportunidade de construirmos melhores cidadãos e seres humanos. Mas é preciso que os responsáveis enxerguem todo esse potencial e apoiem efetivamente o grupo a que pertencem e os chefes voluntários que estão ali se dedicando dia após dia.
O sucesso na vida virá sim com uma boa organização do tempo para o aprendizado de conteúdo nas fases mais tenras da infancia e da adolescência e isso não pode ser deixado de lado. A família precisa sim apontar um caminho e conduzir as situações lá na sua base. Mas o sucesso também virá de situações inusitadas e oportunidades que não controlamos quando não estivermos ali ao lado deles e é aí que o despertar de potencialidades e a vivência de experiencias como a do escotismo, somado a forma como seus filhos conduzirão as próprias reações diante da vida que vem pela frente, fará a diferença.
ANDRE TORRICELLI é chefe escoteiro há mais de 30 anos e presidente do Centro Cultural do Movimento Escoteiro.
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