Sou do tempo em que nos cursos para ser chefe de escoteiros, tínhamos como leitura obrigatória alguns dos livros escritos pelo fundador, Baden-Powell.
Alexandre Dumas Filho (1824-1895), seguindo as pegadas do pai, foi um escritor francês e conceituado romancista, autor de livros e peças de teatro.
Um dos seus romances mais famosos – A Dama das Camélias, serviu de base para a ópera La Traviata, de G. Verdi.
Em 1874, ele foi admitido na Académie Française e anos depois recebeu a Légion d’Honneur, ordem honorífica francesa, criada para recompensar os méritos de militares e civis por serviços prestados à nação.
Ora, esse respeitado escritor uma vez escreveu:
“Se eu fosse rei de França, não permitiria que qualquer criança com menos de doze anos viesse para a cidade. Até então, eles teriam de viver ao ar livre – ao sol, nos campos, nos bosques, em companhia de cães e cavalos, cara a cara com a natureza, que fortalece o corpo, junta a inteligência ao entendimento, desperta a poesia na alma e suscita neles a curiosidade, que vale mais para a sua educação que todas as gramáticas do mundo.
Haveriam de compreender os ruídos do dia bem como os silêncios da noite; e teriam a melhor das religiões – aquela que o próprio Deus revela no grandioso espetáculo das Suas maravilhas quotidianas.
E aos doze anos de idade, fortes, magnânimos e compreensivos, estariam aptos a receber a instrução metódica, que seria então acertado ministrar-lhes e que, facilmente, se concluiria em quatro ou cinco anos.
Infelizmente para as crianças, mas felizmente para a França, acontece que eu não sou rei.”
(in “Auxiliar do Chefe Escuta”, de B-P)
Essas palavras do escritor parecem proféticas pois foi uma espécie de prelúdio do que viria a acontecer.
De fato, doze anos depois de ele falecer, B-P cria o Escotismo, um movimento educativo em que todas qualidades que o escritor previra para as crianças no seu contato com a natureza e na sua vida ao ar livre estão assentes.
E B-P foi mais além: não era preciso substituir a escola, seu método era aplicável também nas cidades e com a extensão do movimento aos lobinhos essa formação estendeu-se também aos mais novos.
Conclusão: ambos tiveram uma visão algo semelhante.
É verdade que leva-se muita tralha desnecessária quando se vai ao campo, que o ruído à noite poderá ser assustador, que estar de turno para lavar a louça é um drama, que encontrar uma meia na tenda é um mistério, que tropeçar nos fios que seguram a barraca é trivial, que a comida é muito diferente da de casa, mas também é verdade que a emoção do primeiro acampamento que se faz é inesquecível! E que o método pedagógico do escotismo criado por B-P, consiste em que “às vezes é só fazer o básico bem feito”.
O escotismo é um movimento que deveria ser simples. Por isso BP criou um movimento para que os jovens vivessem grandes aventuras na natureza e outros desafios aliciantes, mas há quem faça atividades monótonas e repetitivas, que só provocam evasão. Ele criou um movimento para ser vivido por jovens em Sistema de Patrulhas, mas há quem nem saiba bem o que isto é.
Ele criou um movimento para pôr à disposição dos jovens uma aprendizagem de coisas novas e experiências que não se ensinam nas escolas, mas há quem o faça como uma continuação da escola. Ele criou um movimento para ser participado por jovens de qualquer classe social, mas há quem o faça cada vez mais elitista.
Ele criou um movimento para que os jovens tivessem uma orientação religiosa qualquer e que a seguissem a sério, mas há quem dê pouca importância a isto. Ele criou um movimento para que os jovens tivessem uma vivência ao ar livre e em plena natureza, mas há quem faça muitas atividades entre quatro paredes.
Ele criou um movimento para que os adultos se empenhassem bastante na formação dos seus jovens, mas há quem perca muito tempo em relatórios, contas, planos, orçamentos, assembleias e censos. Ele criou um movimento para que os chefes ajudassem os jovens a crescer com valores e usando o seu método clássico educativo, mas há quem rotule esses chefes de fundamentalistas.
Este homem criou um movimento muito simples, mas há quem o complique tanto!
Que saudades, B-P!
Acredito que há muitos chefes que proporcionam às crianças e jovens sob sua responsabilidade, um escotismo de excelência. Isto é porque sabem exatamente o que fazer, como o fazer e sobretudo, o porquê de o fazer. A esses, muitos parabéns pela missão que cumprem e por estarem a tornar o mundo melhor do aquele que encontraram.
Era um sábado, 16 de dezembro de 1961, e estava um dia ensolarado. À tarde, meus pais levaram-me à sede do 8º Grupo Escoteiro São Francisco de Assis, em Niterói, que era na Rua Barros nº 172, num terreno amplo, por trás da Igreja da Porciúncula de Sant’Ana, na Av. Estácio de Sá. O saudoso Pe. Adauto era o chefe daquele grupo e foi quem simpaticamente nos recebeu. Eu não queria estar ali, mas não porque não quisesse ser lobinho e sim porque eu tinha dois colegas de turma que já eram lobinhos, mas em outro grupo, que era muito longe da minha casa.
Ele levou-nos ao Chefe Cardia, responsável pela Alcateia. Este chefe, ao ver-me, agachou-se para ficar da minha altura e perguntou porque eu estava de má vontade. Eu disse-lhe o porquê e ele respondeu dizendo que ali iria encontrar muitos amigos e que não me preocupasse com isso. Minha mãe se despediu e deixou-me com o Chefe Cardia, combinando de ir buscar-me dali a duas horas. Ele levou-me até à sede, uma casa antiga de dois andares, que ficava ao canto do grande terreno.
Fui apresentado ao Primo da Matilha Marrom (Guia do Bando Castanho) e fiquei nesse bando durante os dois anos que estive naquela Alcateia. Era a última atividade formal daquele grupo e estavam numa festinha de Natal. Na segunda semana de janeiro, ia haver um acampamento da Alcateia numa fazenda em Rio Bonito. O Chefe Cardia fez questão que eu fosse. Foi a minha primeira atividade ao ar livre, nos moldes do Lobismo.
O ano escolar começou em março (eu passara para o 3º ano do curso primário) e aquele grupo iniciou as suas atividades do ano uma semana depois. Em maio fiz a Promessa de Lobinho, recebi o lenço marrom daquele grupo (analogia ao hábito de S. Francisco de Assis, patrono do grupo). Nunca mais saí do escotismo até hoje. São 60 anos de descobertas e aventuras! Como o tempo passa! Quando o meu neto for lobinho, inaugurará a 3ª geração da família a entrar para esse grande movimento de juventude.
Até lá, espero que todos, incluindo meu neto, vivam um movimento simples e junto das tarefas do campo, assim como BP o criou.
ALEX RIPOLL é antigo escoteiro de Niterói, tendo pertencido ao 3º GEMAR Nossa Senhora da Boa Viagem e ao 8ºGE São Francisco de Assis. Há algumas décadas vive em Portugal, atuando como formador no Corpo Nacional de Escutas.
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